quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Nascer do Sol em Moçambique

Porque não podia deixar de partilhar toda esta rica experiência e a importância do que aprendemos e podemos fazer com o nosso curso... e com o coração!
Alto da Manga... terra batida, meninos descalços a brincar na rua, muita gente a pé pela estrada... um povo muito pobre, mas uma gente alegre, humilde, descontraída, que recebem os seus hospedes de braços e coração abertos!
A fruta, o cheiro a fumo, tradicões, os rituais...a música que trazem naturalmente no corpo, a alegria, as crianças, os sorrisos... o intenso verde, o brilhante nascer do sol, a força do ceu estrelado, o luar em Mocambique... ja me começo a habituar!Mas há também a parte que nos revolta a alma e nos faz sentir frustrados... os buracos da estrada repletos de esgotos e lixo, as barrigas inchadas de fome, os ratos que roem tudo, a falta de transportes, a corrupção do Estado, a roupa e materiais que vêm com a melhor das intencões (ajudas internacionais) e que os “grandes” absorvem e vão vender no mercado... o não direito à educacao, a falta de acesso à saude...HIV, pais negligentes...!
Efectivamente, aqui, o nosso POUCO aqui é MUITO e faz toda a diferença!
Dificil descrever este intenso primeiro mês e meio, que passou tão rápido mas que ao mesmo tempo me faz sentir como já fizesse parte desta terra...
Vim (juntamente com mais dois colegas, que estiveram comigo neste primeiro mês e já partiram rumo a Portugal devido aos seus trabalhos), através das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria (FMM) de Portugal. Conforme a nossa área, interesses e necessidades da população Moçambicana, enviaram-nos para a Beira, onde têm uma das congragações e prestam o seu serviço missionário. Com um tipo de trabalho muito bem organizado, fizeram-nos ver quais as reais dificuldades desta zona ( que são quase as mesmas que em todo o Moçambique).
Muita informação, muitas emoções à flor da pele... aqui fui verdadeiramente posta à prova... todos os dias aprendo imenso e um pouco de tudo... desde gestão, agricultura, jardinagem, costura, enfermagem... Com tanta pobreza, tantas dificuldades e tanta tanta gente, é necessário concentrarmo-nos em determinados pontos de forma a beneficiar de uma melhor a comunidade. Mas beneficiar como??
Prestar algumas ferramentas a este povo, para que se possam autonomizar ... essa sim, é a maior dádiva... Neste tipo de projectos é necessário ter bastante atenção, pois facilmente se pioram as situações criando dependência.
Muita ansia por ajudar, a sentir uma grande responsabilidade... mas pouco a pouco, o projecto começa a ganhar consistência...
Neste momento estamos a iniciar o desenvolvimento do projecto “BOLUKA KUA ZUA – O Nascer do SOL” para com os principais serviços da comunidade (Centro de Saúde, Jardim Infantil, Internato, Comunidades Isoladas), com o objectivo principal de promover a autonomia, criar novas formas de sustentabilidade ...
Presto o meu serviço numa das valências do Centro de Saúde da Manga- Nhaconjo, no Gabinete Pscio-social, espaço destinado para o acompanhamento psicológico de portadores de HIV. Neste momento, encontro-me a desenvolver de actividades lúdico – pedagógicas com crianças portadoras de H.I.V. e a realizar acompanhamento psicológico das mesmas.
Estou a trabalhar em conjunto com o psicólogo, responsável por este sector , a quem lhe presto alguma formação de forma individual, devido à sua solicitação para para aprender a fazer planificações de actividades e dinamização de actividades com crianças.
Ainda no Centro de Saúde, estou a trabalhar no Centro Nutricional Maria da Paixão. Esta valância destina-se a apoiar crianças subnutridas e doentes com 3 refeições ( para maioria destas crianças, estas são as suas únicas refeições). Situações de extrema pobreza, muitas destas crianças encontram-se a fazer tratamento retro-viral (HIV), familias destruturadas em que nenhum membro da familia consegue arranjar emprego ou qualquer tipo de subsídeo, em que muitos ou o pai ou a mãe, já faleceram. Mamãs que deixam os outros irmãos mais velhos de 7 ou 8 anos a cuidar dos mais novos sozinhos, outros são trazidos pelos guerreiros vovós que mesmo debilitados ao ponto máximo não têm outra solução...
Cada vida uma dura história, mas mesmo assim, as mamãs e vovós ainda têm o brilhar da esperança nos seus olhos, ainda conseguem sorrir. O centro está organizado de forma a que sejam os próprios a fazer comida, a tratar da horta do centro e a fazer as limpezas do mesmo. A primeira refeição é às 8 e a última só às 13h, pelo que até lá, têm de fazer as tarefas diárias e ainda lhes sobra muito tempo livre. Perante a vontade de aprender, em participar, de acordo com as necessidades e as referências de quem está a gerir, eu e a minha colega criamos um plano de actividades adequadas. Desta forma, iniciamos a Hora do Conto, partilha de histórias, contos, adivinhas, ditos populares moçambicanos; Hora do Filme, pois como gostavam muito de filmes e estavam sempre ver televisão, filmes de violência, optamos por colocar filmes educativos que também dá para as crianças verem;Alfabetização para os adultos e Hora do Desenho para os mais pequenos; Ateliers de costura e ateliers de cozinha, estes dois ateliers já tinham funcionado em tempos, mas tinham caído. Visto que as mamãs se encontram todas desempregadas, torna-se útil poderem aprender não só para fazer em casa, mas também para uma possivel venda para fora. No atelier de culinária, são feitos todos os dias bolinhos fritos de côco (tipicos de Moçambique e que saem muito bem e são de baixo custo) para vender no Centro Social, de forma a criar uma receita maior para o Centro Nutricional para poder abranger mais crianças, em simultâneo de uma forma informal e prática vamos dando algumas noções para a gestão e economia do Lar. Este plano de actividades está a resultar muito bem, pois as mamãs são muito participativas e têm vontade de aprender. Ao criar toda esta dinãmica, responsabilizamos os funcionários do centro para iniciar cada actividade e para além disso colocamos algumas mamãs a liderar juntamente com estes, de modo a que haja uma continuidade/sustentabilidade após a minha saída.

Também trabalho no Jardim Infantil da Manga. Foi solicitada ajuda nas actividades infantis e a solução mais apropriada que encontramos, foi prestar uma capacitação aos educadores de Infância, sendo melhor directamente com eles, pois são os mesmos que estão com as crianças durante todo o ano. Realidade carente, muitos dos educadores não chegam a ter o 7º ano e 2caixas de lápis para 80 crianças e um tubo de cola quase no fim, não é fácil. Iniciamos então uma formação sobre “Desenvolvimento e aprendizagem na criança e técnicas de Animação” de forma a abordar alguns temas importantes dobre o desenvolvimento da criança, actividades e como construir e reaproveitar materiais. Em Novembro ficou acordado que lhes iriei dar uma formação sobre Equipas e Liderança.
Faço o acompanhamento escolar do 7º ao 12º ano às meninas do Internato PIU X e dou-lhes formação básica em TIC (Tecnicas de Informação e Comunicação) a jovens que nunca tinham tinham tido contacto com computadores. Também estou a dar formação às Irmãs responsáveis de modo a que quando eu me vá embora, possam ensinar as meninas que entram nos anos seguintes. Até esta experiência no Internato está a ser interessante. Mundos e realidades completamente diferentes que nem nos passam pela cabeça...
Dois fins-de-semana por mês, colaboro nos Projectos de apadrinhamento “Bring a Smile” e CCS Itália, na distribuição de alimentos e bens primários a familias carenciadas. De acordo com aquilo que aprendi com a observação deste tipo de projectos e devido às duras necessidades sentidas estou a desenhar um projecto de Apadrinhamento de Crianças Carênciadas através da distribuição de alimentos, para quem ainda não está abrangido.

Muito por fazer... É preciso dedicarmo-nos de corpo e alma... Deixar a semente...
...Só quero que o nosso trabalho seja o motor de arranque e que após a minha saída o motor continue a acelerar cada vez mais...

Apesar de nem sempre ser fácil, esta é a minha essência, aqui sinto a verdadeira Educação Social, a educação para o amor, em cada coisa que faço...

... Experiência que nos preenche a alma e o coração. Sinto-me mais a receber do que a dar, pois não há palavras para tanto que esta gente me dá... saio daqui muito mais rica...

... Porque apesar de haver a noite, há sempre o brilhante nascer do Sol, o nascer de uma esperança, o nascer de um novo dia...

Daniela Luz

4 comentários:

Anónimo disse...

Daniela,

foi muito bom ler o teu texto. Que experiência maravilhosa! Obrigada por partilhares!

Beijo grande
Esperança Pereira

Unknown disse...

Inspirador....

Beijinhos

song about jane disse...

Que força maravilhosa vai nesse teu enorme coração!!!
Espero de facto, que o motor na tua saída nem chegue a arrefecer e que se dê continuidade ao um Projecto que faz a verdadeira diferença num povo tão "rico", humilde e verdadeiro!!

Beijo amiga!

Cristel disse...

Olá Daniela! :)

Obrigada por partilhares esta experiência!

Regressei no sábado de São Tomé e Príncipe onde também estive apenas dois mesitos a desenvolver um projecto de intervenção num contexto social muito semelhante ao que descreves-te...

Ainda estou a aterrar, a assimilar toda as emoções, partilharei um dia esta experiência :)

Beijos grandes!

Trás contigo um pouco dessa essencia tão especial! :)

Cristel Domingos