segunda-feira, 4 de maio de 2009

Socializar por aí...

Crónica
Corrupção ou favorzinhos?
A corrupção parece ser um assunto central da ordem do dia, apontada como categoria central na análise das situações de numerosos países do mundo. Em Portugal, fala-se da corrupção nos mais numerosos contextos. Na política (tomada na sua generalidade), não só pelos muitos casos semelhantes ao friporte, mas também pelos jobs for the boys, ou outras metáforas que põem a vida política no centro da nossa desconfiança. No futebol, graças a uns apitos sonantes de cobertura duvidosa, a uns tantos envelopes, a um punhado de arbitragens desastradas, a subidas e descidas de divisão decididas nas secretarias, já excluindo sumaríssimos de vários tipos ou outras diversões que vendem jornais e nos animam os pequenos-almoços e as bicas, tomadas à pressa no café da esquina.
A justiça é talvez o sector mais apontado e badalado de toda a sociedade portuguesa. Ainda temos na memória o tristíssimo processo KasaPia, todos os circos mediáticos que o rodearam e a estranheza de vermos que não raras vezes os réus com dinheiro conseguem, através de advogados caros e barrigudos, transformar as vítimas em malandros, ao mesmo tempo que se vão safando, processo após processo, com um ar de convicção impune e uns pós de santice gordurosa – para logo voltarem à barra dos tribunais, exigindo reparações monetárias chorudas ao Estado que os vilipendiou. Mas, claro, também nos ficam na memória os autarcas todos que, acusados de toneladas de irregularidades, não só enfrentam os tribunais de peito feito, como vão e vêm do Brasil à velocidade de um cometa, para usarem a sua mais recente popularidade para ganharem as eleições autárquicas num ápice. Para o povo, se eles são acusados, é porque são inocentes e há, seguramente, uma teia de conspiração à sua volta que tem que ser vingada. E de igual modo, ninguém minimamente atento pode deixar de ficar assustado quando percebe que os pobres não conseguem enganar a justiça em Portugal. Não… nesta situação a justiça tem mão pesada, usando os desgraçados que caíram nas suas teias, inocentes ou culpados, como uma demonstração cabal de que na justiça portuguesa há culpados, afinal. Uns quantos vão mesmo passar uns anos à pildra – e assim se vão enchendo as prisões de pessoas pobres que, no meio ou no fim das suas penas e graças a um sistema de reabilitação anedótico e quase inexistente, apenas ficam mais pobres e, se não eram antes, certamente aprenderam a ser criminosos como hóspedes encarcerados do estado português. Em suma, se a justiça, para os pobres, aparece como um senhor idoso sisudo e austero, para os ricos aparece como um adolescente borbulhoso, parvinho e desengonçado. Viva a ética, a boa moral e os costumes, é fartar vilanagem!
Mas se sabemos tudo isto, fica-nos depois na boca o amargo final. Quero dizer, será possível que o mundo todo seja corrupto à nossa volta… menos nós? Todos parecem ter a sua quota-parte de responsabilidade neste cenário caótico… e nós, santinhos assexuados, vítimas eternas de um Estado vilão e predador, por aqui andamos ó tia ó tia, passeando a nossa pureza imaculada no meio de um mundo a cair aos bocados. Sinceramente, não me convence. Por isso queria terminar falando de uma forma de corrupção que, no meu entender, é muito frequente em Portugal e, além disso, é terrível porque insidiosa. É a corrupção que se mascara no quotidiano de muitos outros nomes, aquela que o povo e o senso comum acha que é desculpável, porque nunca claramente identificada como corrupção. Nós, os santinhos, telefonamos a um amigo a dizer-lhe que o nosso rapaz é bom moço e se o lugarzinho ainda está disponível… ou enviamos um email ao director da instituição x, para que veja com bons olhos a candidatura y; ou perguntamos a alguém qual é a pessoa certa para chatear; ou recomendamos amigos sob o pretexto de que, nas organizações, as formas de recrutamento são todas incertas e falíveis e apenas o conhecimento prévio e personalizado de alguém, nos garante que não contratamos um maluco aprazado, uma bomba relógio andante ou um palhaço que vai contaminar rapidamente os restantes artistas, mentes sensíveis no circo de feras em que vivemos. Este é o mundo gigante da cunha, do jeitinho, do favor e do favorzinho, do golpezinho de rins, do acerto e do saltinho a mais, do impulso aos jovens desempregados… é o nosso mundo, no qual colaboramos activamente, porque não temos coragem de colocar o bem comum das nossas instituições acima de valorzinhos de trazer por casa, porque ele há coisas que não se negam a ninguém e jeitinhos que se fazem a um bom amigo – mas que não são, decididamente, corrupção, palavra feia e forte que nunca esteve nem estará no nosso vocabulário, nem tampouco nas nossas práticas, não, credo, ai Jesus! Será que não entendemos que daí aos eventuais friportes a distância é nenhuma? Também eles, os que fizeram alguma irregularidade choruda, começaram por fazer favorzinhos aos amigos. E o que fazem agora é só isso – com a diferença que amigos destes têm muitos nomes e, sobretudo, muito dinheiro.
António Fragoso

(Esta crónica foi lida pelo próprio no programa do dia 30/4)

1 comentário:

Anónimo disse...

Não há "padrinho", não há trabalhinho!!
20 valores para o prof. fragoso :)

Esperança Pereira