terça-feira, 28 de abril de 2009

Socializar por aí...

Vamos lá ver… se os estudos não prejudicam o futebol

O filho do meu vizinho, que também é meu vizinho, tem 7anos e já foi ao Mundialito de Futebol, ele e mais 2000, distribuídos por 120 equipas de 23 países diferentes. Foi, há poucas semanas atrás, que se realizou, em Vila Real de Stº António o Mundialito de Futebol que juntou crianças oriundas dos quatro cantos do mundo, divididos por escalões de pré-escolas, escolas e infantis. Estamos a falar de uma competição que envolve crianças desde os 6 aos 12 anos. É o sinal dos tempos. Quando eu era criança, era raro sairmos do nosso bairro, os desafios eram feitos entre nós na rua e, numa fase mais avançada lá criávamos o nosso clube, a mãe fazia os calções e o pouco dinheirinho do mealheiro lá tinha que dar para comprar uma camisola para formar o equipamento, a sapatilha era do tipo alpargata que se comprava na Lusbel… que já não existe. E lá jogávamos rua contra rua ou, mais raramente, contra a equipa do bairro mais próximo. Só quando éramos mais crescidos, lá por volta dos 11, 12 anos, é que nos aventurávamos a ir jogar contra outras equipas da cidade, pertencentes a outros nos bairros mais afastados. Mas isso seria tema para outra crónica, o que quero dizer é que agora é tudo diferente, tudo muito diferente…
Quando era criança, o futebol era o meu desporto favorito, mas não era visto como uma prática competitiva, mas sim como uma actividade lúdica, como a brincadeira preferida pela esmagadora (como hoje de diz) maioria dos rapazes…também não havia transmissões de jogos na televisão como existe hoje, aliás, no meu bairro era raro quem tivesse televisão em casa… então futebol era mesmo brincadeira, não era possível nos imaginarmos a copiar os gestos técnicos dos ídolos, as suas fintas, porque nem sequer tínhamos ídolos, não os conhecíamos, não ouvíamos falar deles, não discutíamos os campeonatos, a maioria de nós nem sequer assistia a jogos de futebol federado…hoje é tudo diferente, as crianças conhecem os melhores futebolistas do planeta, vêem-nos jogar, imitam-nos…muitas vezes, não só os gestos técnicos como até os cortes de cabelo, a maneira de andar, etc… Como exemplos mais recentes temos o sucesso do jogador Figo, actualmente no Inter de Milão, mas que nos momentos altos da sua carreira depois de sair do Sporting para o Barcelona provocou a Figomania entre os mais jovens, agora é Ronaldomania… parece que muitos pais cujos filhos ainda mal sabem ler e interpretar um texto já andam na bola a ver se no futuro será mais um “Ronaldo”. Muitos pais influenciados pela fama de muitos futebolistas nacionais e internacionais, passaram a investir muito na formação futebolística dos seus filhos. Daí, também, o aumento crescente de academias de futebol, um pouco por todo o lado. Recentemente ocorreu em Lisboa um Congresso de Medicina Desportiva em que o Presidente referia que era preocupante encontrarem-se situações de treino com cargas excessivas ou desadequadas à idade das crianças, com efeitos prejudiciais a nível cardiovascular. Obviamente que este médico reforça a importância do desporto em termos de benefícios não só a nível fisiológico, como a nível do bem estar psíquico e social, todos concordaremos com isso, assim como alguns de nós concordarão com este especialista em medicina desportiva de que é lamentável que se enverede tanto pelo desporto competitivo, que nem sempre é praticado nas melhores condições. E o futebol, para estas crianças das pré-escolas e escolas de futebol, estamos a falar de crianças de sete, oito, nove anos, já andam em competição a defender a camisola do seu clube, nem tudo será brincadeira porque há regras que vêm dos adultos, para não falar de pressão por parte de pais e treinadores…mas nem sequer vou entrar por aí.
Voltando à questão das regras, a criança interpreta-as à sua maneira, quando, num jogo de futebol, o árbitro marca uma infracção a criança interpreta-a de uma maneira diferente do árbitro. Num primeiro momento, a criança não concorda com o que foi marcado, mas acaba por aceitar. A questão é que tomar consciência das regras, tal como o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, também é um processo com etapas. A primeira delas, é denominada anomia, realizada por crianças mais ou menos entre os 6,7 anos de idade, onde não conseguem seguir regras colectivas. A segunda etapa, denominada heteronia, caracteriza-se pelo interesse das crianças por actividades colectivas e com regras. Esta fase ocorre sensivelmente até aos 10 anos de idade, apesar da criança não conseguir assimilar o sentido da regra. A terceira e última é denominada de autonomia, em que as crianças entre os 11, 12 anos, já conseguem jogar seguindo as regras do jogo com compreensão e respeito. Por outro lado, o sentido de equipa, o sentimento de cooperação, só se adquire progressivamente a partir dos oito anos. Por conseguinte quando ainda são muito jovens, e não é possível queimar etapas em termos de desenvolvimento e aprendizagem, estas crianças não conseguem fixar muitas das instruções que lhes são transmitidas. Isso do 4.4.2., 4.3.3, 4.2.4, táctica do losango, isso não é para eles… as crianças querem é divertir-se. E, depois, os pais, os treinadores, geralmente não têm a paciência necessária para entender o que se passa com a criança. Isto é devido muitas vezes ao desconhecimento acerca de algumas matérias fundamentais como as etapas do desenvolvimento motor, as relações entre desenvolvimento e aprendizagem, psicopedagogia e aprendizagem, fisiologia do esforço, tudo conhecimentos que seria conveniente um treinador dominar minimamente no sentido de contribuir para um desenvolvimento harmonioso do ponto de vista físico e fisiológico, psicológico, emocional, afectivo, social e cultural das crianças que treina, não sei quantas vezes por semana…
[Joca]
Esta crónica foi lida no programa de 23/4

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